27 de junho de 2015

CONTO PARA NÃO DORMIR

CONTO PARA NÃO DORMIR

O despertador urrava quando ela acordou no meio da noite, embriagada pelo sono. Parecia que havia levado uma pancada na cabeça. No quarto escuro, tentou reconhecer algo familiar, mas não viu nada que acalentasse a ansiedade do momento. Olhou para todos os lados e parou, ao ver um relógio com números vermelhos marcando 32:00. Apertou os olhos para melhorar o foco e, então, eram 32:01. A confusão aumentou e não sabia o que estava acontecendo. Não se lembrava de nada a não ser do seu próprio nome. Tentou se acalmar e abriu as cortinas para que a luz da rua pudesse iluminar o quarto. Era um ambiente de cores claras, muito bem decorado e aconchegante, o que trouxe um pouco de paz. Olhando pela janela, via poucos carros cruzando sinais vermelhos, enquanto um bêbado cantava algo, cambaleando pela calçada. Não reconheceu a rua que via do alto.

Respirou fundo e, sentindo o frio da noite, sentou-se na cama, cobrindo o corpo e se encolhendo. Começou a procurar por lembranças, quaisquer que fossem. Uma menininha linda, que brincava alegre em um gramado verde, apareceu em sua mente. Uma sala de aula cheia de colegas fazendo bagunça, o primeiro amor de sua vida, danças, músicas, o primeiro beijo, a faculdade e amigos em festas, viagens. Calmamente, as imagens vinham e rodeavam sua cabeça. A paz das lembranças iniciais foram suficientes para ninar seu corpo até cair no sono.

Se revirava na cama e balbuciava algo. Um pesadelo terrível, com torturas emocionais entre momentos de suspense, rodava sua cabeça. Pessoas com olhares perseguidores se destacavam em uma multidão que caminhava toda na mesma direção. Tentava ir para um lado diferente, mas os do seu entorno, com sorrisos, a conduziam na direção da multidão. Era quase impossível não seguir o fluxo. Recebia, ora empurrões, ora abraços, todos a guiando para onde ela não sabia ir. Cansada de tentar sair daquele lugar, seguia por si mesma junto a multidão. Um barulho ensurdecedor soou e, neste momento, todos começaram a agarrá-la, enquanto ela tentava se livrar deles e tapar os ouvidos. Fechou os olhos e gritou desesperada, querendo sair daquele lugar.

Muito agitada, abriu seus olhos perplexa e se viu novamente no quarto. O despertador, desta vez, tocava uma música. O relógio marcava 35:11, mas o dia amanhecia e o sol iluminava o quarto.

DESPERTAR

DESPERTAR

Certo dia, um homem andando pelo campo, encontrou uma pedra diferente. Era uma pedra linda, com traços tão peculiares que ele não pôde se conter e abaixou para examiná-la melhor. Ao se aproximar, pôde perceber, no seu contorno, brilho e ângulos; uma perfeição tal, que parecia dar vida à pedra. Não hesitando um segundo, ele a tomou em suas mãos, levando-a para casa.

Lá, a pedra foi lavada e, cuidadosamente, limpa. Suas nuances de beleza foram ainda mais expostas e agora, além de viva, a pedra parecia feliz. Foi colocada em uma mesa na sala da casa e podia ser apreciada pelos que ali passavam. Mas de todos, o mais encantado, era o próprio dono.
Ficou ali deixada e, aos poucos, foi sendo esquecida, empoeirada. Já não parecia assim tão viva. Nem seu descobridor lhe dava mais atenção.

Então, um dia, ao entrar em casa, o homem viu, espantosamente, a pedra flutuando no ar. Não pôde acreditar nos seus olhos, mas, mesmo assim, correu para fechar as janelas, com medo de perder seu objeto maravilhoso em um vento mais forte que pusesse levá-la. Quando se virou de volta, lá estava a pedra em seu lugar de costume, parada e definhando. Não entendendo muito bem o que havia ocorrido, tratou de deixar sempre as janelas fechadas para não perder seu troféu. Os dias se passavam e a pedra, novamente esquecida, já parecia quase morta.

Uma noite, distraído e andando descalço pela sala, o homem sente uma pontada no pé e, ao levar a mão para ver o que era, sente o jorrar quente do sangue em seus dedos, denunciando um corte profundo. A dor foi intensa e o sangramento caudaloso. O chão estava repleto de cacos de vidro. Havia um rombo na janela da sala. Assustado com o que acontecia, passando os olhos de relance, percebeu que a pedra não estava mais sobre a mesa. Ela havia voado através da janela para a liberdade que nunca lhe deveria ter sido tirada. Porque pedras, por mais que sejam pedras, voam quando querem voar. Voa pedra, encontra novamente a vida e a felicidade que te pertencem.